É o tempo de uma gestação. A partir do momento em que se ingressa pelo portão da Comunidade Terapêutica, em Ivorá, são nove meses para voltar ao convívio da sociedade. Neste longo processo, muitos fraquejam, desistem e saem campo afora _ a porteira está sempre aberta. Vão em busca do primeiro velho amigo que encontrarem pelo caminho. Acendem a pedra, cheiram carreiras e morrem lentamente, mais uma vez. Outros persistem e conseguem nova chance para recomeçar a vida. No último dia 11, a Fazenda do Senhor Jesus, que acolhe dependentes químicos para o tratamento contra drogas como o álcool, a cocaína e o crack, completou 20 anos.
Durante duas décadas, histórias de vitórias e derrotas permanecem escondidas nas paredes brancas dos dormitórios. Coordenador do local há três anos, Sérgio Ribeiro, 57 anos, é testemunha desses relatos impressionantes, que ficam guardados sob o sigilo dos nomes e sobrenomes.
_ A sociedade faz muito pouco por eles (dependentes químicos). São taxados de vagabundos, ladrões, mas, acima de tudo, são seres humanos que podem mudar. Pessoas que foram abandonadas pelos familiares, mas que estão tentando mudar. Fazemos um trabalho de reconstrução _ explica Ribeiro.
A fazenda, que teve como um dos idealizadores o bispo Dom Ivo Lorscheiter, já falecido, é coordenada pela Pastoral de Auxílio ao Toxicômano da Arquidiocese de Santa Maria (Pacto). No último domingo, dia de visita dos familiares (3º domingo de cada mês), balões, bolo e uma comemoração marcaram o aniversário. Cerca de 250 pessoas participaram do evento.
No total, 60 internos, todos homens, participam de um longo processo de reabilitação, que tem como base um tripé formado por trabalho, disciplina e oração (o interno tem liberdade de opção religiosa).
'Os caras são maravilhosos, não fazem mal pra ninguém'
O rígido processo de ressocialização dos internos passa por uma série de regras que não podem ser violadas. Sem citar nomes, Ribeiro fala sobre um caso recente de má-conduta, momento em que a coordenação teve de intervir:
_ Já tivemos casos de notarmos o interesse de um interno pelo outro. Então, tivemos de aplicar as normas. Não pode haver relação sexual dentro da fazenda, faz parte da disciplina. A luta deles é contra eles. O trabalho que fazemos é para que eles possam se olhar no espelho e se enfrentarem.
A área de 18 hectares em Ivorá foi doada por Sabino Lorenzoni que, hoje, aos 83 anos, recebe os cuidados dos internos. No terreno, estão espalhadas seis casas-dormitórios para a acomodação dos homens em tratamento.
_ A pergunta que mais ouço do lado de fora da fazenda é se eu não tenho medo dos internos. Respondo que os caras são maravilhosos. Eles não fazem mal pra ninguém, são gente boa. Claro que, com a droga na cabeça, as atitudes deles mudariam. Mas aqui não tem droga _ comenta o coordenador.
O 12º mês de um jovem em tratamento
O 20 de julho de 2014 foi especial para um jovem que, aos 24 anos, completou o ciclo de um ano na Comunidade Terapêutica de Ivorá. O pai dele estava lá. Dias antes, ele repetia isso como se não acreditasse.
_ Meu pai vai estar aqui. Tive vários atritos com ele, inclusive ordem judicial para ficar longe. Não podia entrar no pátio da casa dele. Depois que vim para cá, ele me perdoou. Meu pai vai estar aqui. Minha mulher, que consegui reconquistar, também. Estamos juntos e bem, vai ser um grande dia _ esperava, ansioso.
O jovem começou a usar drogas aos 12 anos. Passou do álcool para a cocaína. Aos 17, conheceu o crack. Em cinco anos, destruiu a vida.
_ Cheguei a um ponto que tive de pedir ajuda. Não estava nem morando mais em casa. Vi que tinha perdido tudo. Fiz muitas dívidas e pedi ajuda para minha mãe e para o meu irmão _ conta o jovem.
Em uma conversa emocionada, ele relatou o início da trajetória de recupe"